quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Impermanência


Ao contemplar a impermanência, olhe para a sua vida.
De onde você veio? Onde você nasceu?
Você ainda vive lá? Quem são as pessoas com quem você viveu?
Você ainda vive com elas? Em que casa você viveu?
Quanto tempo faz que você a viu? O que aconteceu ao seu próprio corpo?

As coisas estão diferentes agora. Tudo através da sua vida é impermanente.

Quando você começa a explorar a natureza da impermanência, você pode ficar deprimido(a).
Você pode pensar "Ah, é tudo inútil. Tudo o que eu tenho,tudo o que criei, é impermanente. O tanto quanto amo minhas crianças, nossa relação é impermanente."

Se, por outro lado, você vier a entender verdadeiramente a impermanência, você entenderá o valor de cada momento.Você dirá, "Sim, minha vida é impermanente, mas enquanto eu a tenho, irei aproveitá-la. Enquanto eu puder ver o rosto de meu filho, irei apreciá-lo.Enquanto tiver meu lar, irei apreciá-lo. Essas coisas são apenas temporárias, então, enquanto as tenho, irei aproveitá-las."

Isso é particularmente importante de lembrar em relacionamentos, por causa das dificuldades que surgem. Uma vez que você perceba que não sabe quanto tempo terá para ficar com seu parceiro, você entenderá o quão sem sentido é discutir.

Se não entendermos a impermanência, se assumirmos que iremos durar para sempre, então quando perdermos algo, a perda pode causar em nós uma grande angústia. Mas se soubemos que podemos perder tudo o que temos, e que por último, no momento da nossa morte, tudo se perderá, então quando algo se for, podemos aceitar facilmente que ele se foi.

Suponha que você compre um carro zero, um carro maravilhoso que você sempre quis. Se você pensar, antes mesmo que você o dirija até sua casa, sobre o quão impermanente ele é, então se você batê-lo, se ele for roubado ou se ele quebrar, você não experimentará o mesmo tipo de dor que você uma vez poderia sentir.

Há sabedoria e liberdade nesse entendimento, que nos permite apreciar o que temos quando o tivermos, e extrair o valor de cada momento. Então, a alegria que experimentamos é exuberante. Mesmo ver o rosto de um estranho na doçaria é um momento especial.

Precisamos apreciar cada momento de nossas vidas desta maneira. De acordo com o entendimento buddhista, há muitos tipos diferentes de existência, nenhum dos quais são tão maravilhosos quanto os nossos. Então, enquanto temos essa preciosa oportunidade, deveríamos apreciá-la e degustá-la, ao invés de nos focarmos em nossos problemas e falhas.

Em nossos relacionamentos com os outros — com nosso marido ou esposa, nossos parentes, nossos filhos ou nossos colegas de trabalho — nunca deveríamos dizer ou fazer algo que irá lhes causar sofrimento. Eles são seres humanos que têm tanto direito à felicidade quanto nós. Se mantivermos, faremos tudo que for necessário para assegurar a felicidade deles. Quando nossa(o) esposa(o) ou filhos deixam a casa, nunca sabemos se eles se foram por dez minutos ou se nunca voltarão para o lar. Nunca sabemos se nós mesmos voltaremos ao lar, porque a vida é impermanente. Nosso tempo, e o de todo mundo, é precioso.

Sabendo isto, devemos ser extraordinariamente gentis e úteis aos outros. Qualquer que seja a circunstância, se você trouxer a ela um entendimento da impermanência, você será mais paciente. Algumas vezes pensamos que, ao sermos pacientes, estaremos sendo ingênuos, estúpidos ou permitindo que a outra pessoa ganhe. Mas este realmente não é o caso. Todo mundo perde se não há paciência.

Você pode conceder num assunto particular, mas no todo há um ganho maior porque você chegou mais perto da verdadeira paz na sua própria mente. Sendo difícil aplicar a paciência no meio de um problema, é importante praticar a contemplação da impermanência antes que os problemas surjam.

Ao lembrar da impermanência, você estará apto a lidar com a sua vida de um jeito diferente. Você terá mais paciência. Quando você perde a vista da impermanência, então tudo parece absorver sua atenção e ser crucialmente importante, e você reagirá com muita ansiedade, criando dificuldade não apenas para você, mas para qualquer um a quem você esteja reagindo.

A meditação sobre a impermanência é um recurso para quando a vida se torna turbulenta. Não é como uma bandagem para ser aplicada a uma ferida já existente. Pelo contrário, é algo com o qual você se fortifica para que, assim, você tenha mais força e uma maior capacidade para lidar com questões difíceis conforme elas surgirem.

No início, não é tão fácil; há apenas uma pequena margem na sua mente para reagir, e quando alguém faz ou diz algo que você não gosta, você responde muito rapidamente, sem muito controle. Mas quando a meditação na impermanência tiver realmente penetrado na mente, sua reação é diferente. Você tem um momento para pensar antes de reagir:"Como eu desejo responder a essa situação? Poderia perder minha serenidade ou poderia ser paciente." Neste momento de consideração, há mais liberdade na mente e mais paz.

Tudo o que examinamos, tudo na existência, é impermanente, composto e sem liberdade. E ainda assim, somos desesperadamente apegados às coisas —queremos que as condições da nossa vida estejam num certo rumo. Mas como nada é permanente, singular ou livre, como as coisas conseguirão possivelmente tomar o rumo que queiramos que tomem? Somos como crianças perseguindo um arco-íris, pensando que podemos tê-lo. O que quer que seja a que estejamos nos apegando não pode ser mantido. Podemos nos esforçar para mantê-lo, mas não teremos sucesso.

É necessária muita contemplação para entender o significado disso. Mas uma vez que você o compreenda inteiramente, sua relação com a vida e com tudo oque está nela mudará. Você será como uma pessoa velha observando um grupode crianças fazendo um castelo da areia na praia. Essas jovens crianças constroem toda uma fantasia ao redor de sua brincadeira — e para elas é real. A pessoa idosa pode se juntar e ajudá-las, mas não há qualquer dúvida na mente desta pessoa sobre a realidade da brincadeira.

Todas as coisas são impermanentes, castelos na areia. Sabendo disso,exatamente como a pessoa velha, você pode viver cada momento ao máximo,fazendo o que puder para trazer felicidade para as vidas dos outros, não se apegando a nada nem se tornando infeliz se as coisas não saírem do jeito que você queria.

Deste modo, através do entendimento espiritual, sua mente mudará gradualmente, conforme você se livra das falsas pressuposições que são afonte do sofrimento para si e para os outros.
Possa haver benefício para todos os seres!

(transcrição de um ensinamento dado por Chagdud Tulku Rinpoche e traduzido por Tsering Everest, em Oakville,Califórnia, em junho de 1990)

Um comentário:

RH disse...

Gostei do seu blog.

Sugiro a leitura do artigo "Porquê meditar?"

http://dr-hugo-jorge.blogspot.com/2007/11/porqu-meditar.html