domingo, 27 de maio de 2007

Uma Lição do Passado


Escrevi este texto à muitos anos atrás...
É apenas um rascunho de idéias malucas ...rs


Uma Lição do Passado
A tênue linha que separa a razão da loucura se desfaz no instante em que não nos reconhecemos mais.”

Obs: sempre achei legal, aquelas frases que vinham embaixo do titulo dos contos que eu lia ...rs

O motivo pelo qual escrevo este manuscrito é o de esclarecer os fatos relacionados à noite de 21 de abril de 1980, quando começaram meus sonhos. Os detalhes desta história ainda não me são claros, nem poderiam ser, afinal tudo se passou anos e anos antes disso, antes mesmo de meu nascimento.

Tudo começou com um sonho, que de início me pareceu apenas uma extravagância da minha imaginação, mas logo se mostrou muito mais real do que eu gostaria que fosse. Me deparei de repente com cenários nos quais eu nunca estive e pude observar pessoas que jamais tinha visto. A sensação de realidade era assustadora.

Podia sentir o frio, o barulho das passadas da multidão nas ruas. As pessoas, apesar de serem claramente de uma época distante, eram para mim estranhamente familiares. Neste devaneio pude, várias vezes, olhar meu próprio reflexo, e ele era o de um homem de cerca de 40 anos, com rosto cansado e uma pequena cicatriz próximo ao olho esquerdo, que, estranhamente, sabia tinha ser adquirido ao participar de uma manifestação contra o regime militar. Ao acordar continuava a sentir o cheiro da cidade. Um aroma penetrante e inconfundível de fumaça ainda me impregnava.

Com o passar dos dias os sonhos ficavam cada vez mais reais e pude então reconhecer muitas de minhas próprias características nas do personagem onírico. O homem dos sonhos era obcecado por jogo e apostas e isto definia a minha própria característica de aceitar apenas respostas, acontecimentos e fatos que fossem definitivos. Ou sim, ou não. Verdade, ou mentira. Ganhar, ou perder.

Meu reflexo buscava sempre esconder seus sentimentos e tinha poucos amigos de confiança, que conquistara ao longo de sua vida, mas um fato eu pude constatar: o medo que tinha de errar ou falhar, que mais tarde descobri ter tido origem em um terrível acontecimento. Ele era líder de um movimento de libertação em outro país, e, na ânsia de alcançar seus objetivos perdera sua família, seus amigos e finalmente sua própria vida.

Nunca se perdoou e a partir daí consumiu sua existência se privando de qualquer prazer e lamentando as perdas irreparáveis. Escolheu como confessor o álcool, único analgésico que lhe permitia prosseguir com sua dor. Apesar de todo esse sentimento de amargura, ele ainda acreditava na vida e na felicidade e dedicava seu tempo em benefícios de outros. Tornara-se médico e prestava assistência aos necessitados na periferia da cidade.

Na ânsia de conhecer melhor esse personagem, investiguei por conta própria e descobri que ele realmente existiu, mas muitas facetas de sua vida permaneceram obscuras, como onde estudara, quando casara e quando ocorrera seu óbito. Verifiquei que era ele uma pessoa de muitas faces e apesar de não ter participado de nenhuma outra manifestação política no final de sua vida, passara os últimos anos de sua existência redigindo cáusticos artigoscontra a ditatura e contra o regime militar.

Foi morto com dois tiros quando estava na varanda de sua casa. As descobertas que fiz apenas aguçaram minha curiosidade, motivo pelo qual tomei coragem e fui visitar sua antiga casa, localizada no interior de São Paulo. A primeira surpresa foi ao saber que a casa permanecia de pé e seus proprietários não fizeram qualquer objeção para que eu a visitasse. Lógico que os havia convencido de que era neto do seu antigo dono.

Apesar da mobília ser diferente e as paredes terem sido pintadas de outra cor, pude reconhecer instantaneamente aquele cenário e sabia com absoluta certeza onde se localizava cada dependência daquela casa. Só então descobri a razão de toda aquela loucura. Da janela do quarto, que sabia ter sido de meu “avô”, podia se avistar a serra, e mais próximo, uma praça com algumas árvores e uma igreja.

Foi indescritível a felicidade que senti ao me deparar com aquele cenário que me era absolutamente familiar e me lembrei instantaneamente do que eu devia procurar. Pedi licença então ao meus gentis anfitriões e saí correndo desesperadamente até aquele local. Em frente a igreja, embaixo de uma árvore, estava o que tanto ansiava encontrar.

Num banco de praça antigo e desgastado pelo tempo pude ler com alguma dificuldade o que nele estava escrito à mão, em tinta indelével: “Nunca deixe de viver e acreditar em sua vida, pois ela fará de você o que você dela fizer”.

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